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Texto Caldaico Reescrito: A Perspectiva da Pessoa Lúcida - século IV a.C

A pessoa lúcida compreende que a vida é repleta de acontecimentos e emoções intensas, e, por isso, não se deixa levar pelo entusiasmo desmedido, assim como não teme a morte. Para ela, viver e morrer possuem o mesmo valor intrínseco, já que a vida é marcada por tantos sofrimentos que sua cessação não pode ser vista como um mal. A pessoa lúcida se reconhece como um equilibrista na corda bamba da existência. Ela sabe que, seja por escolha ou por acaso, a queda no abismo é uma possibilidade constante, capaz de interromper a performance da vida a qualquer momento. Entretanto, essa mesma pessoa pode optar pela Vida. Ao fazer essa escolha, ela se compromete a explorar todas as suas possibilidades. Caminhará por campos abertos e por vielas floridas, encontrando beleza em cada detalhe. Terá amantes, amigos e ideais; elaborará planos e os tornará realidade. Diante dos infortúnios e das doenças, ela resistirá com coragem e serenidade, sabendo suportar os desafios que surgirem. A pessoa lúcida, ao...

Aprendizagem: Scaffolding como ponte entre o saber constituído e o sujeito em devir

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O scaffolding, longe de ser uma técnica simplista de suporte pedagógico, revela-se uma estratégia epistemológica que tensiona os limites entre o que já se sabe e o que está por ser descoberto. Sua fundamentação teórica radica-se no sociointeracionismo vygotskyano, para quem o aprendizado é um fenômeno que só ocorre na intersecção entre o indivíduo e seu contexto sociocultural.  Vygotsky, em Pensamento e Linguagem (1934), afirma que "a aprendizagem humana pressupõe uma natureza social específica, um processo por meio do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam". Nessa perspectiva, o scaffolding opera como um mecanismo de mediação simbólica, no qual o docente, ao oferecer suportes temporários — perguntas orientadoras, modelos de resolução, esquemas visuais —, atua como um cúmplice cognitivo, facilitando a internalização de habilidades que, inicialmente, existem apenas no plano intersubjetivo.  Jerome Bruner, ao ampliar essa ideia, compara...

Desconfiança Neurótica: o entre a defesa e a prisão

A desconfiança, essa sombra que paira sobre as relações humanas, essa névoa que turva a percepção do outro, esse espinho que fere a alma, é um tema complexo e multifacetado, que convida a uma profunda reflexão psicanalítica e filosófica. Neste ensaio, mergulharemos nas nuances da desconfiança neurótica, distinguindo-a das alucinações paranoicas, explorando seu papel defensivo, sua inscrição no inconsciente, e as possíveis vias de negociação com essa angústia que, embora singular, não justifica a exigência de esclarecimentos do outro. É crucial, de início, estabelecer a distinção entre a desconfiança neurótica e a alucinação paranoica. Enquanto a desconfiança neurótica se manifesta como uma suspeita persistente, uma dúvida constante sobre as intenções do outro, a alucinação paranoica se caracteriza por uma convicção delirante, uma certeza inabalável. Freud, em "Neuropsicoses de Defesa" (1894/1996), diferencia neuroses e psicoses: as primeiras, como a neurose obsessiva e a hist...

A psicanálise e a importância do afeto na aprendizagem

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A provocação psicanalítica que ecoa as palavras de Brené Brown no SXSW 2025 que diz: " A mente não aprende com comandos. Ela aprende com histórias" , provoca a repensar o sentido e o fazer da educação, naquilo que questiona os modelos tradicionais, geralmente, baseados na repetição e no adestramento, e também a valorizar as narrativas afetuosas na construção do conhecimento. Em Freud, o afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional, um elemento central na dinâmica psíquica, ligado tanto ao prazer quanto ao desprazer. E isso é apenas o início de bastante considerações teórica. Inicialmente, Freud via o afeto como uma espécie de "carga", como tal, poderia ser deslocada ou descarregada, como nos casos de histeria, onde o afeto "estrangulado" encontrava expressão em sintomas físicos. Mas, posteriormente, Freud complexifica a noção de afeto, distinguindo-o da representação e reconhecendo sua importância na formação do inconscien...

O fim da análise: entre o término e a finalidade, um terno devir cínico e singularizante

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A pergunta "Qual o fim de um processo de psicanálise?" surge como um enigma, e ao mesmo tempo um convite a buscar os múltiplos sentidos da palavra "fim", que oscila entre o término e a finalidade, ou seja, entre a conclusão de um percurso e o propósito que o anima. A provocação psicanalítica, ao nos confrontar com essa ambiguidade praticamente antológica, nos lança diante do espelho da reflexão, onde vejo possível de se entrelaçar a psicanálise, o cinismo filosófico, a perspectiva lacaniana e as filosofias do devir. 1. O Fim como Término, encerramento: A Análise "Terminável" e "Interminável" em Freud Freud, em seu texto seminal "Análise Terminável e Interminável" (1937/1996), aborda a questão do fim da análise sob duas perspectivas aparentemente contraditórias. Por um lado, ele reconhece a possibilidade de um término, de um momento em que o analisando, tendo, no custo de bastante investimento de si, tenha elaborado seus conf...

A odisseia em se singularizar

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A provocação psicanalítica que nos convida a refletir sobre a essência de uma existência plena – "Talvez, a essência de uma existência plena, tecida com os fios da razão e do sentimento, resida, como um tesouro raro e conquistado, em libertar-se das amarras invisíveis das próprias suposições e dos olhares alheios que tentam nos definir. É, com a ventura de um coração corajoso e o labor incansável de quem se reconstrói a cada amanhecer, abraçar o desconforto dessa ousadia, erguendo, com mãos firmes e psiquê serena, os pilares que sustentam a singular melodia do nosso ser... Se singularizar é um exercício de eterno devir..." – ressoa como um chamado à jornada heroica da individuação, um convite a desvendar os labirintos da psique e a construir uma existência autêntica. Nesta análise, desdobraremos os múltiplos sentidos dessa provocação, entrelaçando-a com conceitos da psicanálise, da filosofia helenística e do pensamento nietzschiano, buscando iluminar o caminho par...

"Diante da Lei", de Franz Kafka: uma análise provocativa

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O conto "Diante da Lei", de Franz Kafka (1915/2005), é uma obra enigmática que, embora breve, encerra uma profundidade de significados que ecoam em diversas áreas do conhecimento, da psicanálise à filosofia. Nesta análise, mergulharemos nas camadas de interpretação do conto, articulando-o com conceitos psicanalíticos, a filosofia helenística e o pensamento de Friedrich Nietzsche, sempre buscando lançar luz sobre a angústia existencial do homem diante do desconhecido e da autoridade. 1. A Lei como Representação do Superego e a Angústia da Interdição Na perspectiva psicanalítica, a Lei, no conto de Kafka, pode ser interpretada como uma representação do Superego, instância psíquica que internaliza as normas e interdições sociais, exercendo a função de censura e controle sobre os desejos do Id. O homem do campo, que busca incessantemente a entrada na Lei, simboliza o indivíduo em sua busca por aprovação e reconhecimento, por um sentido para sua existência. No entanto,...