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O Corte Lacaniano: transformação além do olhar

  "Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei. Diz a lenda que tudo o que cai nas águas deste rio – folhas, insetos, penas de pássaros – se transforma nas pedras do fundo. Ah, se eu pudesse arrancar meu coração do peito e atirá-lo nas águas correntes, então não haveria dor, nem saudade, nem lembranças." de Paulo Coelho  À margem do rio da linguagem, o sujeito se constitui. Na visão lacaniana, o corte ( la coupure ) é um conceito importante não apenas para a clínica de teoria psicanalítica, mas para a própria possibilidade de transformação subjetiva. Diferente das águas do rio Piedra de Paulo Coelho, onde objetos se cristalizam em pedras, o corte lacaniano despetrifica momentaneamente o fluxo do inconsciente, permitindo que algo novo possa emergir.  Corte lacaniano rompe com o encadeamento significante habitual, desestabilizando, com isso, as certezas e abrindo para novas possibilidades. Ele ocorre não apenas no encerramento da sessão, quando finalizamos sem respostas com ...
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A Sensibilidade... "Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei..." (crônica)

 "Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei. Diz a lenda que tudo o que cai nas águas deste rio – folhas, insetos, penas de pássaros – se transforma nas pedras do fundo. Ah, se eu pudesse arrancar meu coração do peito e atirá-lo nas águas correntes, então não haveria dor, nem saudade, nem lembranças." Paulo Coelho abre seu romance invocando uma lenda que tem fonte nos mitos antigos sobre transformação através da dor. O rio Piedra, palavra que evoca tanto pedra quanto piedade, torna-se metáfora de um processo de análise onde o sofrimento se cristaliza em sabedoria, onde lágrimas se petrificam em memória eterna com lições e potência.  Mas há algo profundamente psicanalítico nesta imagem inaugural. O desejo de Pilar de "arrancar o coração do peito" vai se encontrar com o que Freud chamaria de pulsão de morte. E ela não é propriamente, como costumam ver, o desejo de morrer, mas de retornar a um estado anterior à tensão, à excitação, ao conflito. E pode ser, como neste ...

Nietzsche e a Psicanálise: convergências, subversões e amplificações conceituais

  Introdução A relação entre o pensamento nietzschiano e a psicanálise constitui um dos encontros mais profícuos e complexos da história das ideias. Friedrich Nietzsche, que proclamou ser "o primeiro psicólogo da Europa" (Nietzsche, 1888/2008, p. 45), antecipou muitas das descobertas freudianas sobre o inconsciente, a sexualidade e os mecanismos de defesa do psiquismo. Freud, por sua vez, reconheceu explicitamente esta dívida, afirmando que Nietzsche possuía "insights sobre si mesmo que não foram ultrapassados por ninguém" (Freud, 1925/2011, p. 34). Contudo, a apropriação psicanalítica do pensamento nietzschiano não se limitou a uma confirmação de intuições filosóficas; ela operou transformações conceituais que simultaneamente honraram e subverteram o legado nietzschiano. Este ensaio explora as convergências e divergências entre ambos os pensadores, demonstrando como a psicanálise construiu um edifício teórico que, embora devedor da filosofia nietzschiana, criou n...

Saussure e a psicanálise: contribuições, subversões e amplificações do paradigma linguístico

  Introdução A linguística estrutural de Ferdinand de Saussure ofereceu à psicanálise um arsenal teórico fundamental que permitiu repensar o inconsciente não como mero repositório de conteúdos reprimidos, mas como estrutura linguística. Contudo, a apropriação psicanalítica do pensamento saussuriano não se limitou a uma aplicação direta de seus conceitos; antes, operou uma subversão criativa que transformou a própria compreensão da linguagem e do sujeito. Como observa Lacan (1957/1998, p. 498), "o inconsciente é estruturado como uma linguagem", proposição que simultaneamente honra e transfigura o legado saussuriano. Este ensaio explora como a psicanálise, especialmente em sua vertente lacaniana, absorveu, subverteu e amplificou os fundamentos da linguística estrutural, criando uma nova compreensão do psiquismo humano. As Contribuições Saussurianas: A Linguagem como Sistema O Signo e sua Estrutura Diferencial Saussure (1916/2006, p. 80) estabeleceu que "a língua é um s...