Prometeu e Epimeteu e o fundamento psicanalítico da falta do Ser Humano – uma breve reflexão à luz da filosofia existencialista
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Prometeu e Epimeteu e o
fundamento psicanalítico da falta do
Ser Humano – uma breve reflexão à luz da filosofia existencialista - Por Ítalo
Silva, maio 2019
A lição do mito da criação do humano, no berço
grego, é que o humano é o único animal
vazio por natureza. Por isto sua existência
teve se pautar na angústia de dar conta da própria essência particular e/ou
coletiva. Somos condenados pelos deuses ou pelos desejos de encontrar um sentido
para a falta de sentido da vida?
Vários teóricos modernos, como os grandes Sigmund
Freud, Friedrich Nietzsche e Albert Camus buscaram na narração da mitologia os
recursos para expressar conceitos sofisticados e impactantes. Até por ser muito
novo a racionalidade técnica que separa crença de sabedoria, talvez isto
aparece como uma necessidade moderna após as severas críticas dos iluministas
aos efeitos da submissão ao dogmatismo cristão.
Em algum momento e não se sabe o real motivo,
ou se realmente houve motivo, os deuses resolvem criar os seres vivos. A
cosmologia mítica grega ensinava que antes da ordenação dos deuses tudo era
misturado e imperava o Caos. Os irmãos titãs Prometeu, aquele que prevê e
Epimeteu, o que vê depois – são encarregados de elaborarem a distribuição das essências prontas.
Prometeu
“[...] fez o homem à semelhança dos deuses. Deu-lhe o porte ereto, de maneira
que, enquanto os outros animais têm o rosto voltado para baixo, olhando a
terra, o homem levanta a cabeça para o céu e olha as estrelas” (BULFINCH, 2014
p. 23).
As virtudes animais foram atribuídas por Epimeteu
para cada um, de modo que tivesse a essência para atuar na natureza. Nisto os animais
receberam “força, rapidez, sagacidade; asas a um, garras a outro, [...].
Quando, porém, chegou a vez do homem, que tinha de ser superior a todos os
outros animais, Epimeteu gastara seus recursos com tanta prodigalidade que nada
mais restava. Perplexo, recorreu a seu irmão Prometeu, que, com a ajuda de
Minerva, subiu ao céu e acendeu sua tocha no carro do sol, trazendo o fogo para
o homem. Com esse dom, o homem assegurou sua superioridade sobre todos os
outros animais” (BULFINCH, 2014 p. 24) porém estava nu e cru - sem finalidade
essencialista.
Feud (1932) no texto “A aquisição e o controle
do fogo”, dá ao Prometeu um papel civilizador. Freud diz: “o que foi transportado foi a água
e não fogo, mas o mito utilizou a mesma inversão dos elementos que o sonho
utiliza.” Prometeu não é um herói do gozo e da transgressão, é o herói da
renúncia. O pai castrativo.
O fogo é luz artificial, o símbolo do
conhecimento – episteme - para os
clássicos da filosofia. Na materialidade histórica a manipulação do fogo
simboliza significativa mudança nas formas de modificar a natureza e garantir a
existência. A pergunta primordial de Sócrates foi: “quem é o homem?” e ele
mesmo responde, o homem é a sua alma. Alma como a epsteme, o pensamento, a parte imaterial. Na história a tradição da
filosofia foi a questão socrática finalista e essencialista acreditando que o
homem é a sua essência. Na Idade Média a filosofia parte disto para dizer de
uma essência naturalmente teológica e sagrada.
O existencialismo ateu de Sartre (1978) está
inteiramente estruturado no princípio filosófico de que no homem “a existência precede a essência.” Ou seja,
Epimeteu nos fez sem essência pronta, mas o fogo dado por Prometeu nos
possibilita sabedoria para elaborar essência
(sentido) e nela sustentar nossa existência.
Sustentamos nossa existência em essências
elaboradas e reelaboradas ao longo da nossa historicidade... viver é o processo
de (re)significar as colunas com que nós nos apoiamos. Ontologicamente a psicanálise,
ao colocar o inconsciente em questão, provoca o encontro com o ser nu que somos...
o abismo entre o que pensávamos ser... o que foi dito que somos... o que desejamos
ser e talvez o que conseguiremos ser. Diz Nietzsche (1886) “aquele que luta com
monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha
muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
O filósofo pré-socrático Heráclito fala que o
ser é fluído... “não se volta duas vezes ao mesmo rio...” Não escapamos do que
Sartre chama de sermos “condenados na liberdade” de encontrar uma causa pela
qual estamos dispostos a morrer-viver... e de (re)ver nossos fundamentos. “Ventos
passados não movem moinhos.” O vazio – erro de Epimeteu – é fato na condição humana
e ele move o ser em busca de algum sentido para existir... e geralmente não encontra
sentido estático... o que o movimentou em determinado período pode deixar de
ter sentido e o humano se vê obrigado encontrar novos sustentos para sua
existência.
A “castração de Prometeu” mostra o Real - erro de
Epimeteu de deixar o humano um animal sem finalidade pronta – que evidencia a vida crua como cruel na sua
insignificância. A partir do uso do fogo roubado dos deuses temos o encontro
com esta crueldade do real sem sentido... sem essência... sem significado... (o
nada, o vazio, o abismo... o angustiante limbo existencial) reconhecemos no
fogo o paradoxo confronto com o Niilismo Passivo e Ativo, segundo Nietsche – o
que causa a Pulsão de Morte e de Vida - segundo a psicanálise. Por isto Nietzsche vê a vida como obra de arte
criada pelo humano por meio da “vontade de potência” diante da “morte de deus.”
Não há destino, não há certezas, não há eternos... Há, em suma, a angústia (niilismo
passivo) e cabe os humanos criar o seu sentido a partir de si (niilismo ativo) libertar
o desejo de liberar a “vontade de potência” – a tendência de buscar o autodomínio
e ser mais do que se é sem deixar-se dominar pela moralidade.
***Referências:
- BULFINCH, Thomas. O
livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Agir Editora, 2014.
- FREUD, Sigmund. A
aquisição e o controle do fogo. FREUD, S. (1932) Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 22, p.
227-233, 1976.
- NIETZSCHE,
Friedrich. Além do bem e do mal. (1886) Editora Companhia das Letras, 2005.
- SARTRE, Jean-Paul. O
existencialismo é um humanismo. (col. Os pensadores). Trad. de Rita Correia
Guedes, v. 3, p. 1-32, 1978.
Um bom fundamento, e um em qual me despertou curiosidade sobre nossa própria existência, quero mais!
ResponderExcluirobrigado! Que tenhamos sempre a curiosidade sobre a existência para nos movimentar. Beijão, meu querido.
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