
Porém, ao seu lado estavam os "porta-vozes", que se autodenominavam representantes do bom rei. Eles, com a pompa de quem portava verdades Labsolutas, começaram a distorcer as mensagens de PAI-BOM. Sentados em mesas adornadas com frutas, eles debatiam entre si e, com gestos amplos, diziam: "O rei deseja que todos sejam felizes, mas precisamos cuidar do seu bem-estar. As regras são necessárias!"
Um dia, durante uma assembleia, um dos porta-vozes se levantou, com a voz firme, e proclamou: "A partir de hoje, homens comerão somente maçãs e mulheres somente uvas!" A sala ficou em silêncio, exceto pelo som de uma maçã sendo mordida. O murmúrio que se seguiu foi de estranheza e inquietação. As pessoas olhavam-se desconfiadas, trocando olhares nervosos. "E se eu desejar uvas?" sussurrou uma mulher a seu lado, com receio.Com o passar dos dias, a regra tornou-se lei, e muitos começaram a sentir o peso da restrição. Os homens, ao vislumbrarem uvas na feira, desviavam o olhar, enquanto as mulheres suspiravam ao ver as maçãs reluzentes. Assim, a alegria deu lugar à tristeza. Era um reino onde todos, mutilados por regras, cultivavam seus desejos em silêncio.
O príncipe, um jovem de olhos brilhantes e sorriso contagiante, também começou a sentir-se aprisionado. "Por que não posso querer uvas?" ele questionava a si mesmo, enquanto na praça observava as frutas proibidas. Abatido, ele murmurava em seus pensamentos: "Se ao menos eu pudesse falar ao meu pai sobre isso, talvez tudo se resolvesse."
Em um dia ensolarado, o príncipe decidiu visitar o pai. "Ó pai, posso falar com você?" ele pediu, um tremor na voz. PAI-BOM olhou para ele com um sorriso caloroso e respondeu: "Claro, meu filho. O que pesa em seu coração?"
Mas o medo o dominava. "É que... eu não posso... eu... eu quero uvas!", o príncipe confessou, a voz quase um sussurro. "Mas os porta-vozes dizem que é errado!"
O rei franziu a testa, surpreso. "Meu filho, você tem o direito de desejar o que faz seu coração feliz. Eu jamais puniria você por seus desejos. Eles estão deturpando o que eu realmente quero para você!"
Mas os conselheiros estavam sempre por perto, e suas vozes ecoavam como sombras. "Não ouça o rei, jovem príncipe! Se você desobedecer, serão consequências severas!" Um dos conselheiros, de olhar severo, advertiu: "O rei é um justo juiz, e sua desobediência não será tolerada."
Com isso, o príncipe se afastou, o coração pesado e confuso. "Talvez eu devesse simplesmente aceitar as maçãs," pensou, mas a imagem das uvas não saía de sua mente. Uma noite, ao se sentir tomado pela solidão e pela privação, ele decidiu experimentar. Escondido sob a luz da lua, ele comeu um punhado de uvas, o aroma doce preenchendo seus sentidos.
"Estou apaixonado por uma uva!" ele exclamou numa mistura de alegria e temor. Mas, imediatamente, o medo tomou conta dele novamente. "E se descobrirem? O que farão comigo?" Ele correu para longe, escondendo-se sob a sombra das árvores.
Os porta-vozes logo souberam sobre seu ato de rebeldia. "O príncipe foi visto perto do parreiral!" gritaram, enquanto se voltavam para a praça onde o povo se reunia. "Ele está se desviando do caminho!" A agitação crescia e os vilarejos começaram a murmurar sobre seu comportamento, chamando-o de rebelde e desonesto.
O rei, angustiado, decidiu buscar seu filho. "Mandem trazer o príncipe," ordenou. "Mas tragam-no em liberdade, e não em correntes!" Ele sabia que o amor poderia conquistar o medo. As buscas começaram, mas os soldados encontraram dificuldade em convencê-lo a voltar. "Pede perdão à sua razão, príncipe. Seu pai quer te salvar," disseram eles, mas o jovem relutou.
Certa manhã, o príncipe acordou sob um parreiral, sua mente cheia de confusão. Ele se lembrou de mais um momento de tristeza e dor. Sua cabeça estava cheia de dúvidas. "Por que é tão errado ser eu mesmo?" questionou, quando, de repente, um servo silencioso, de olhos azuis brilhantes como o céu, surgiu ao seu lado. "Meu príncipe," ele disse, "o rei está preocupado com você. Ele só deseja seu bem. Aqui, leve isto." O servo extendia uma carta, que trazia as palavras do rei.
Com um coração acelerado e mãos trêmulas, o príncipe abriu a carta e começou a ler: "Saudades, meu querido filho! Quero que saiba que sempre estarei aqui por você, amando-o incondicionalmente. Não deixe que as vozes distorcidas lhe digam o contrário. Desejo ver você feliz, exatamente como você é. O amor que sinto por você não conhece regras, apenas deseja sua liberdade e autenticidade."
Lágrimas de alegria escorriam pelo rosto do príncipe ao se dar conta de que seu pai nunca quis aprisioná-lo, mas sim libertá-lo. "Preciso encontrá-lo!" ele exclamou, a esperança renascendo em seu coração. "Vou até ele!"
E, finalmente, ele correu para os braços de seu pai, que o abraçou com carinho. "Meu filhinho, sempre soube que o amor é o que rege quaisquer escolhas." O príncipe sorriu, agora livre para amar sem medos. Ele decidiu que não importavam as regras de outros; o que realmente importava era ser fiel a si mesmo.
Daquele dia em diante, o reino aprendeu uma valiosa lição: a verdadeira felicidade não se encontra em regras imposta, mas na liberdade de ser quem realmente somos, e no amor que se compartilha sem temor. E assim, maças e uvas foram servidas lado a lado em banquetes, espalhando alegria a todos que tinham coragem de desejar o que seus corações almejavam. Eles dançavam sob a luz da lua, celebrando a liberdade que encontraram em seus próprios desejos.E o rei, agora cercado por um povo feliz, sorriu, sabendo que o amor é a resposta mais pura que pode existir no coração humano.
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Comentários do autor sobre: Esse texto foi escrito no final da minha adolescência, relendo hoje, após quase 20 anos do dia e contexto da composição, eu relevo cinco pontos de interpretações, são eles:
- Simbolismo do Rei e dos porta-vozes: Na fábula, o rei PAI-BOM representa um Deus amoroso que anseia pela felicidade de seu povo, enquanto os porta-vozes encarnam figuras de autoridade religiosa que distorcem a mensagem, impondo regras rígidas que geram medo e repressão.
- Conflito entre liberdade e doutrinação: O príncipe, ao desejar uvas, simboliza a busca por autenticidade e liberdade individual. Sua luta interna reflete o dilema de muitos que se sentem limitados por normas sociais e dogmas religiosos, que frequentemente reprimem os desejos naturais.
- Ressignificação da espiritualidade: A descoberta da carta do rei pelo príncipe representa a revelação da verdadeira espiritualidade — baseada no amor incondicional e na aceitação de si mesmo. Esta transformação destaca a importância de libertar-se das regras que cercam a fé e a autenticidade pessoal.
- Crítica à moralidade imposta: A narrativa expõe como a moralidade, moldada por instituições, pode servir como uma ferramenta de controle que aliena os indivíduos de sua verdadeira essência. Isso é exemplificado nas regras alimentares, que refletem hierarquias de gênero e opressão patriarcal.
- A Busca pela autenticidade: Ao abordar a luta do príncipe contra as imposições sociais, a fábula se torna uma alegoria poderosa para a busca da liberdade e da autenticidade. A libertação do patriarcado e das normas repressivas é crucial para cultivar relações genuínas e a verdadeira essência de cada ser humano.
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