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Eu, Nietzsche e Platão no shopping - crônica

Em um shopping vibrante e iluminado, onde as vitrines exalam promessas de desejos e consumos, eu me sento sobre um banco, observando o movimento incessante ao meu redor. Cada vitrine é uma obra de arte, imaculadamente arranjada para seduzir e atrair a atenção dos passantes. Porém, neste cenário efervescente de compras e interações, sinto-me como uma vitrine em si, exposta e à mercê das olhadas curiosas dos transeuntes.

Enquanto meus olhos percorrem os manequins elegantemente vestidos, revestidos de tecidos que capturam a luz de maneira hipnótica, uma reflexão começa a emergir: essa encenação de consumismo contemporâneo ressoa com as profundas considerações filosóficas que há muito habitam a mente humana. Segundo Nietzsche, a filosofia platônica, tão cuidadosamente elaborada pelos pensadores medievais, sustentava a crença em uma verdade Universal, uma verdade única e absoluta que se impunha sobre os indivíduos. Em seus escritos, Nietzsche desafia essa noção de idealismos que governam as ações humanas e afirma que, em nome de valores eternos e supremos, negamos a corporeidade de nossos desejos e anseios.

Estou rodeado por famílias, casais e amigos, todos imersos em suas buscas por objetos que prometem preencher vazios, criar sensações de pertencimento e satisfação. Cada um deles, em algum nível, busca um encaixe no suposto ideal de beleza, amor, moral e felicidade, o que, segundo Nietzsche, é uma herança letal do platonismo cristianizado. As vitrines revelam uma multiplicidade de esperanças e frustrações, traçando um paralelo com a incessante luta humana para se conformar a normas que muitas vezes parecem distantes de sua essência.

Enquanto observo uma jovem examinando um vestido exposto, noto como sua expressão flutua entre a admiração e a insegurança. Ela busca a validação que aquele vestido, em sua beleza idealizada, pode oferecer. Contudo, calculando os riscos de não se encaixar nas formas de beleza que essa vitrine propõe, percebo o peso dessa busca. Para Nietzsche, essa é uma busca violenta — uma guerra silenciosa contra si mesmo, na tentativa de corresponder a um modelo que não abriga a autenticidade do ser.

O tempo passa lentamente enquanto eu permaneço ali, como uma vitrine indiferente. O ruído das conversas e o tilintar das compras se misturam e criam uma sinfonia que reflete as tensões do desejo humano. Em meio aos dilemas comerciais, como é possível não notar o eco de Nietzsche ressoando em cada interação? "Em nome do céu, blasfema-se contra a terra", ele diria. Cada vez que alguém rejeita seus próprios desejos e inclina-se diante de ideais supremos e impossíveis, eleva-se uma maldição silenciosa que condena a verdadeira essência dos corpos — aqueles corpos que anseiam por reconhecimento, prazer e autenticidade.

Por fim, sinto-me envolvido por essa rede de vidas, de insatisfações ocultas, de felicidades condicionais e de um incessante vaivém entre o que se deseja e o que se deve desejar. Olhando para as vitrines, percebo que posso, afinal, não ser apenas um mero observador, mas também parte dessa dança complexa que é o contemporâneo. Ser vitrine e espectadora ao mesmo tempo, refletindo não apenas a superfície do que é exposto, mas também as narrativas ocultas que se desenrolam nas entrelinhas de nossa necessidade por aceitação e esse ideal de plenitude frequentemente inatingível.

Enquanto saio do shopping, a ideia de Nietzsche me acompanha: a busca por uma verdade universal e os ideais absolutistas não devem silenciar a beleza da existência corporal. Nela reside a autenticidade, e é nesse espaço de contração entre o desejo e o ideal que, talvez, possamos finalmente encontrar um sentido de pertencimento que não depende de padrões externos. A vida, com todas as suas imperfeições, é um convite para experimentar e abraçar nosso ser em sua plenitude — mesmo que isso signifique nos libertar das correntes de expectativas que nos aprisionam.

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