Naquelas noites de quarta-feira, o mundo lá fora parecia ser um sonho distante. Com o céu se tingindo de um azul profundo, eu me encontrava em casa, imerso em um prazer especial: a preparação de uma omelete. Enquanto o sol se despedia no horizonte, eu me permitia afundar no conforto do meu lar, longe da frenética correria do cotidiano e das exigências que o capitalismo incessantemente impõe.
A cozinha estava em silêncio, exceto pelo som suave dos ovos sendo quebrados e despejados em uma tigela. Batia as claras e as gemas vigorosamente, observando-as se transformarem em uma mistura homogênea. Cada movimento era quase uma dança, uma forma de meditação que me permitia me conectar com o momento presente. As pequenas coisas ganhavam dimensão quando eu me concentrava nelas. O ato de cozinhar, para mim, era uma forma de resistência – uma maneira de desafiar as pressões externas e reafirmar a minha própria presença.
Enquanto a manteiga derretia na frigideira, sentei-me a refletir sobre a realidade que nos cerca. Involuntariamente, meu pensamento vagava por conceitos que sempre me intrigaram. Platão e sua escola, a Academia, vinham à mente. Essa antiga instituição, fundada por volta de 387 a.C., tinha o intuito de formar cidadãos não apenas em filosofia e matemática, mas também em um conhecimento que servisse à polis, à comunidade. Em uma época em que o ideal de justiça e verdade universal ainda parecia tangível, os alunos eram moldados para serem líderes e pensadores. A filosofia platônica, com seu dogma do absolutismo, propunha uma busca contínua por verdades que transcendiam a experiência individual e tecia um fabricado padrão de realidade.
No entanto, ao contrário do que Platão defendia, no calor da minha cozinha, eu sentia o pulsar vibrante do momento, a beleza das pequenas nuances do cotidiano. O aroma da manteiga e do queijo se mesclava no ar, enquanto eu me permitia questionar: o que de fato é a verdade? A verdade universal ou a particularidade da experiência humana? Aqui, na segurança da minha casa, a verdade era simples: um prato bem preparado poderia trazer felicidade.
Voltando a olhar pela janela, admiráva a cidade em movimento. O shopping próximo já iluminava suas vitrines, convidativas e sedutoras, satisfeitas em apelar para as fraquezas de quem passava. As pessoas se apressavam, apanhando suas bolsas e recados, sempre com uma tarefa a cumprir, uma expectativa a atender. Era a prostituição de si mesma em plena exibição; cada um vendia um pedaço de sua essência para atender a um ideal que, em essência, era inalcançável.
Vale lembrar que Platão também criticava a democracia, aquela espécie de corredor de opiniões em disputa constante. Para ele, esse sistema era frágil e vulnerável à corrupção, sem garantias de que as melhores escolhas emergissem das assembleias repletas de vozes. Sim, à medida que eu via as pessoas passarem, como tão bem observava, também refletia sobre essa fragilidade. O sonho platônico de que os sábios, os filósofos, deveriam governar, parecia distante e, ao mesmo tempo, maravilhoso.
Lá estava eu, com a omelete quase pronta, observando o mundo e, de certa forma, fazendo parte dele, mesmo estando alheio ao frenesi que o dominava. “A beleza imperfeita, o movimento inconstante das coisas”, pensei, citando Heráclito em um pensamento profundo. Ele nos lembrava que tudo está em fluxo. Por que, então, deveríamos nos prender a ideais fixos e imutáveis, quando o próprio mundo ao nosso redor estava em constante mudança?
A omelete dourada à minha espera era uma resposta silenciosa a essa pergunta. Com um garfo em mãos, eu mergulhei na delícia da simplicidade: os sabores se misturavam de forma harmoniosa, proporcionando uma alegria palpável. Naquele momento, eu não estava apenas consumindo um alimento; estava celebrando a vida, a leveza e a liberdade de ser quem eu realmente era — longe das expectativas e pressões externas.
E assim, enquanto o mundo pulsava lá fora, eu permanecia em um refúgio acolhedor, envolto em minha própria companhia, removendo-me gradualmente do ruído do capitalismo que frequentemente tentava me moldar. A filosofia do dia a dia se desenrolava diante de mim, revelando que há algo profundamente libertador em simplesmente ser, em existirmos por nós mesmos, em um espaço que é unicamente nosso.
Ao final da refeição, sorri para a realidade que me cercava, sabendo que, mesmo em meio ao tumulto do mundo, havia um canto de serenidade a ser encontrado nas coisas simples — e, por fim, abandonando a dúvida sobre o sentido que as verdades absolutas podem ter, deixei fluir a sensação, porque ser feliz é, em última instância, um ato de autenticidade.
E assim, após aquela quarta-feira à noite, sabia que sempre haveria uma omelete esperando por mim, um lembrete de que talvez a verdadeira sabedoria resida na habilidade de apreciar as delícias simples da vida, enquanto a complexidade do mundo à nossa volta se desenrolava em um espetáculo de possibilidades e desafios a serem abraçados.
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