O medo de baratas é um fenômeno que pode parecer trivial à primeira vista, mas que, sob a lente da psicanálise, revela camadas profundas de significados e complexidades emocionais. A obra de Sigmund Freud e as contribuições de Jacques Lacan nos fornecem ferramentas valiosas para explorar essas angústias aparentemente banais e as projeções que delas derivam.
Freud, em *A Interpretação dos Sonhos*, exemplifica como os medos e fobias se manifestam, e um caso que ele observa é o de um menino que tem um intenso medo de cavalos. Ele argumenta que, na simbologia do inconsciente, o cavalo representa uma figura de autoridade, uma vez que remete à figura paterna. Freud diz que “uma fobia só pode ser entendida quando são vistos os laços da fantasia que a acompanham” (FREUD, 2006). Nesse sentido, o medo de baratas pode ser uma ferramenta de defesa semelhante, manifestando uma angústia mais profunda que o indivíduo não consegue expressar de forma direta.
Quando analisamos o medo de baratas, podemos ver que esse inseto, frequentemente associado à sujeira e à desordem, pode simbolizar a repulsa por aspectos de nós mesmos que consideramos inaceitáveis. Baratas, como representações de sujeira, podem simbolizar tudo que um sujeito deseja esconder ou eliminar de sua vida. Por exemplo, uma paciente que relata um medo paralisante de baratas pode, na verdade, estar lidando com questões de autoimagem ou um sentimento de inadequação, refletindo uma luta interna com sua própria autoestima. A presença da barata torna-se um espelho, refletindo suas inseguranças.
Jacques Lacan, ao discutir o desejo e a falta, apunhala o cerne da questão ao afirmar que “o desejo é o que nos faz humanos”. Em sua obra, ele introduz o conceito do “objeto a”, que representa aquilo que nos falta, aquilo que desejamos, mas que nunca conseguimos alcançar plenamente. Esse desejo insaciável se transfere para objetos externos, como as baratas, permitindo que o sujeito projete sua angústia e frustração em símbolos do cotidiano. Nesse contexto, a barata não é apenas um inseto; ela se torna a projeção de um sentimento de repulsa mais profundo em relação a se sentir “indesejado” ou “inadequado”.
Um exemplo comum que encontramos no consultório é aquele em que um paciente menciona que, ao avistar uma barata, ocorre uma sensação instantânea de pânico. Essa reação não diz respeito somente ao medo do inseto, mas a uma associação mais profunda: a do medo da perda de controle em sua vida. A aversão à barata serve como um mecanismo de defesa contra a fragilidade e a vulnerabilidade que o paciente teme enfrentar. Ao lidar com o terror das baratas, o analisando evita confrontar medos subjacentes, como a ansiedade relacionada à sua capacidade de se adaptar a novas situações ou à aparência negativa que apresenta em suas interações sociais.
Freud nos ensina que “o que não se mostra no desejo é o que angustia”. Assim, a fobia de baratas precisa ser entendida não como um simples medo de um inseto, mas como a desmaterialização de conflitos internos que são insuportáveis. O desejo de ser aceito em um grupo, a insegurança em relação à própria performance ou a luta para se sentir amado se refletem na repulsa que a barata provoca. Dessa forma, a barata se torna um símbolo que encapsula tudo que é mal visto e temido.
É interessante notar que essa representação não é estática; por meio da análise, o paciente pode começar a desvelar camadas adicionais de compreensão sobre sua aversão. O que poderia inicialmente ser visto como um medo fútil de baratas poderia, gradualmente, se mostrar como uma janela para discussões mais complexas sobre relacionamentos disfuncionais, traumas antigos ou experiências percorridas que foram ignoradas, como as expectativas familiares que nunca foram alcançadas. Como Freud menciona: “A experiência da análise é uma experiência de formação ao longo da vida, e o que muitas vezes chamamos de fobias é apenas uma folga de um ciclo de experiências emocionais não resolvidas”.
Através da perspectiva lacaniana, é importante considerar que os sujeitos frequentemente se apegam a esses símbolos, permitindo que o medo das baratas, por exemplo, se torne um ponto focal para evitar questões mais subjacentes. O trabalho analítico, portanto, oferece a oportunidade de trabalhar com essas projeções, permitindo que a pessoa entre em contato com as experiências que foram evadidas.
Ao compreendermos o medo de baratas através desse prisma, podemos perceber que, como Freud e Lacan nos ensinam, o que está em jogo é muito mais do que um medo superficial. Trata-se de um convite à reflexão profunda sobre nossas ansiedades mais íntimas, sobre nossa vulnerabilidade e sobre a carne que carregamos que não pode ser facilmente exposta. O processo analítico nos possibilita uma jornada introspectiva que, ao invés de evitar as baratas da vida, nos convida a acolher a complexidade do que elas simbolizam.
Referências:
- FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Traduzido por Célia Almeida e Claude Lévi-Strauss. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
- LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise. Traduzido por Maria Rita Kehl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
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