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Religião e sociedade: breve ensaio das abordagens sociológicas e antropológicas

A religião tem um papel significativo na vida das pessoas, afetando a construção de valores, comportamentos e instituições sociais. No contexto brasileiro, essa influência é notável devido à diversidade crescente de práticas religiosas, marcada pela diminuição da tradição católica e pela ascensão de grupos evangélicos, especialmente os pentecostais. Este ensaio tem como objetivo analisar as interações entre religião, sociedade e cultura, utilizando diferentes abordagens teóricas que aprofundam essas relações. Com ênfase nas contribuições de pensadores como Max Weber e Karl Marx, além da importância da Teologia da Libertação e da análise de Émile Durkheim sobre a coesão social, buscamos entender como a religião continua a moldar, e ao mesmo tempo ser moldada por, contextos sociais e históricos.

No Brasil, a sociedade é marcada por uma diversidade crescente de práticas religiosas, refletindo um profundo sincretismo cultural, caracterizado por um declínio do catolicismo e um aumento acentuado nos grupos evangélicos, especialmente os pentecostais. De acordo com dados do Censo Demográfico de 2021, aproximadamente 50,2% da população brasileira se identificava como católica, enquanto 31,1% se considerava evangélica (IBGE, 2022). Essa transformação significativa no panorama religioso brasileiro pode ser atribuída a diversos fatores sociais, culturais e políticos, que interagem de maneira complexa, influenciando a adesão a novas formas de espiritualidade. Essa dinâmica revela como o contexto social e histórico pode afetar profundamente as práticas religiosas, fazendo com que a religião não se manifeste isoladamente, mas intimamente ligada a outras dimensões da vida coletiva.

No campo da antropologia da religião, as abordagens teóricas variam na forma como analisam a relação entre religião, sociedade e cultura. A abordagem holística, ao enfatizar a contextualização da religião em relação a outras realidades e instituições, destaca a inter-relação dessa prática com dimensões sociais, políticas e culturais. Diferentemente das abordagens funcionalistas, que se concentram nas funções que a religião exerce para a coesão social, e simbolistas, que analisam os significados dos rituais, o holismo tece uma análise mais rica e integrada. Essa perspectiva é fundamental para entender a complexidade das práticas religiosas, especialmente em sociedades como a brasileira, onde a pluralidade é a norma e não a exceção.

Em sua obra seminal "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", Max Weber argumenta de maneira convincente que o calvinismo teve um papel fundamental no surgimento do capitalismo moderno. Weber descreve como a ética ascética promovida pelo calvinismo incentivava não apenas uma vida de disciplina e contenção, mas também a acumulação de riquezas materiais por meio do trabalho diligente e da frugalidade. Ele observa que "a ética protestante estimulou a devoção ao trabalho e o espírito capitalista" (WEber, 2004). O ascetismo calvinista, embora não buscasse o lucro por si só, acabou criando um ambiente favorável para o crescimento econômico, influenciando a maneira pela qual as pessoas se relacionavam com o trabalho e com a riqueza, perpetuando uma moral que valorizava a prosperidade como um sinal de bênção divina.

Por outro lado, a teoria marxista oferece uma perspectiva crítica e diferente, afirmando que a economia exerce uma influência determinante sobre todas as outras esferas da vida social. Para Karl Marx, as relações de produção e a estrutura econômica de uma sociedade moldam suas características culturais, políticas e religiosas. A proposição de que “a economia exerce uma influência determinante sobre as outras esferas da vida social” é fundamental para entender o materialismo histórico que Marx defende. Para ele, a religião é muitas vezes utilizada pelas classes dominantes como uma forma de controlar a consciência da classe trabalhadora. Essa crítica permanece extremamente relevante mesmo em contextos contemporâneos, onde a mercantilização e a exploração econômica continuam a ser temas recorrentes em muitos discursos sociais e religiosos, revelando a persistência das desigualdades e das tensões sociais.

As discussões contemporâneas em torno da intersecção entre religião, política e economia tornam-se cada vez mais evidentes, especialmente quando consideramos movimentos sociais como a Teologia da Libertação. Esse movimento, que critica abertamente o capitalismo e busca uma espiritualidade centrada nas pessoas mais pobres, exemplifica como a religião pode ser mobilizada como um meio de contestação das estruturas de poder e economia estabelecidas. Essa teologia, que emergiu das comunidades de base da Igreja Católica, reflete uma luta por justiça social e econômica, destacando a capacidade da religião de ser tanto um agente de opressão quanto um veículo de emancipação.

Além disso, a análise de Émile Durkheim sobre a religião como fonte de coesão social e identidade coletiva ressoa fortemente nos tempos de polarização política e social que enfrentamos atualmente. Durkheim é amplamente reconhecido por sua abordagem mais ampla e empírica ao estudo da religião, afirmando que a religião não apenas oferece um conjunto de normas e valores comuns, mas também é crucial na construção da solidariedade social. Ao afirmar que uma sociedade saudável é aquela que consegue manter suas referências morais intactas, Durkheim evidencia como a religião pode contribuir para a manutenção da ordem social, mesmo em uma sociedade pluralista e em conflito.

Essa análise crítica da religião e suas interações com a sociedade e a economia permite compreender as complexidades que continuam a moldar a vida contemporânea. A partir das perspectivas de Weber e Durkheim, além das críticas de Marx, é possível aprofundar-se nas maneiras como as tradições religiosas se adaptam e respondem às necessidades de suas respectivas épocas. Assim, a diversidade religiosa no Brasil e as correntes contemporâneas que buscam justiça social e econômica revelam que, apesar das mudanças, a religião permanece uma força poderosa na formação da identidade cultural e na luta por um mundo mais equitativo.


Referências

  • WEber, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2021. Disponível em: IBGE.

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