Para Jacques Lacan, o conceito de *discurso* é fundamental na compreensão da subjetividade e dos processos psíquicos. O discurso, em sua visão, não se limita à mera comunicação verbal, mas abrange as formas pelas quais os sujeitos se posicionam em relação a si mesmos e aos outros. O discurso é uma estrutura que contém não apenas significantes, mas também a relação simbólica e a dinâmica de poder que se estabelece entre os interlocutores. Para Lacan, o discurso é formado por uma série de articulações que revelam tanto a posição subjetiva quanto a forma como o sujeito se inscreve na rede social e cultural.
Lacan argumenta que o discurso é estrutural e, portanto, pode ser descomposto em diferentes modos de ser. Em seu trabalho, ele identifica quatro tipos principais de discurso: o discurso do mestre, o discurso da histérica, o discurso da universidade e o discurso do amor. Cada um destes discursos permite entender como o sujeito se relaciona com o desejo, com o outro e com a verdade.
1. Discurso do Mestre: Esse discurso é caracterizado pela imposição de uma autoridade que determina o que deve ser. O mestre, representando o significante poderoso, organiza a relação dos outros com a linguagem e com a verdade. Como Lacan explica, "o discurso do mestre se funda na relação do Outro com o saber" (LACAN, 1973). Exemplos de frases que podem sinalizar a posição discursiva do mestre incluem declarações como "Você deve fazer isso porque é a regra" ou "Eu sei o que é melhor para você". Aqui, o sujeito se coloca como detentor do saber, tentando controlar a narrativa e estabelecer um conhecimento que será tomado como verdade.
2. Discurso da Histérica: Neste discurso, o sujeito busca sua própria verdade enquanto lança perguntas ao outro. A histérica não se contenta com a verdade imposta; em vez disso, provoca o outro, gerando um espaço de dúvida e questionamento. Lacan diz: "A posição histérica é aquela de quem interroga o Outro, buscando saber "o que eu sou?" (LACAN, 1958). Frases que exemplificam essa posição podem incluir "Por que você não me ama?" ou "O que você realmente pensa de mim?". O sujeito aqui expressa uma falta que busca ser preenchida, utilizando o questionamento como uma forma de exigir do outro um lugar de resposta.
3. Discurso da Universidade: Este discurso diz respeito ao conhecimento e à atualização científica. Ele impregna a sociedade atual, onde o saber é frequentemente reduzido a um conjunto de informações objetivas e técnicas. Lacan observa que "o discurso da universidade caracteriza-se pela pretensão de que o saber é um valor que devemos acumular" (LACAN, 1967). Frases típicas desse discurso incluem "Os dados mostram que..." ou "A pesquisa indica que...". O sujeito que se posiciona aqui oferece uma visão científica e objetiva, muitas vezes destituída de uma perspectiva subjetiva ou emocional.
4. Discurso do Amor: Este é o discurso onde o sujeito busca efetivar um laço simbólico com o outro, caracterizando-se pela abertura ao desejo e pela construção de laços afetivos. Lacan conecta esse discurso ao amor e ao desejo, afirmando que "o discurso do amor é o lugar onde o desejo do Outro se efetiva" (LACAN, 1973). Frases que podem exemplificar essa posição são "Eu estou disposto a ouvir o que você tem a dizer" ou "Eu gosto de você pelo que você é". Neste caso, o sujeito se coloca em uma posição que busca conexão emocional, respeitando a singularidade do outro.
Analisando cada um dos discursos, podemos perceber como as falas dos sujeitos sinalizam suas posições discursivas. Por exemplo:
- Um supervisor que diz: “Você precisa seguir este protocolo para que possamos ter sucesso”, representa um **discurso do mestre**. A relação está baseada em autoridade e controle.
- Uma pessoa que questiona: “Você não me ama como eu sou, o que está errado comigo?”, está adotando um **discurso da histérica**. Aqui, a busca por validação e reconhecimento das suas inseguranças é evidente.
- Alguém que afirma: “Os estudos mostram que a colaboração aumenta a produtividade”, se posiciona no **discurso da universidade**. A ideia de objetividade e valor dos dados prevalece sobre a subjetividade.
- Por fim, uma declaração como: “Eu amo cada parte de você, mesmo as que você não gosta”, indica uma conexão emocional e um respeito pela singularidade do outro, evidenciando o **discurso do amor**.
A análise do discurso em Lacan é uma ferramenta poderosa para entender as relações subjetivas e intersubjetivas. A posição discursiva revela não apenas a dinâmica de poder entre os interlocutores, mas também os desejos, ansiedades e motivações subjacentes a essas interações. Cada tipo de discurso não só expressa uma forma de se relacionar com o outro, mas também indica uma maneira particular de lidar com a verdade e com as próprias inseguranças, considerando que, como Lacan nos ensina, o que está em jogo é sempre uma relação complexa entre o eu, o outro e o grande Outro.
Referências
- LACAN, Jacques. *Os Escritos*. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 1998.
- LACAN, Jacques. *O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise*. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1973.
- LACAN, Jacques. *O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise*. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
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