O outro como uma rosa... perfume, beleza e espinhos - Crônica

O outro como uma rosa... perfume, beleza e espinhos.  – 
é possível tutoriar um relacionamento?

          No complexo de pessoa metódica sempre esperei encontrar o tutorial de como fazer, ter e ser. Talvez se esquecendo do fluxo inesperado e improgramável que a vida é, e se deixando levar pela vida burocratizada que o sistema nos coloca. O raciocínio aqui elaborado, por mais que pareça, não é um tutorial de como ter relações sadias e sim uma reflexão de maturidade por correr de relações alienantes que nos sufoque e nos sequestre de nós mesmo. Pode dar certo, ou não... pode ser fracasso. Não há passo a passo e nem fórmulas mágicas quando se trata do fluxo das relações pessoais. E viver talvez seja simplesmente buscar, sem a expectativa sega que sairá tudo como o planejado, tentar mais uma vez de uma forma diferente e ser melhor que já fui.
          Ontem em uma conversa de impacto com uma bela moça engenheira que eu acabará de conhecer, revogamos fazendo pensamentos aprofundados da materialidade das relações. Nos perguntávamos, primeiramente, como construir uma ‘boa relação’ com pessoas ‘difíceis.’ Como conquistar alguém e tê-la por companhia agradável? Por inclinações poéticas e relembrando a analogia do Pequeno Príncipe eu contei que há muito tempo tenho procurado ver o outro como uma rosa. E dessa metáfora surgem várias respostas para a problemática da (con)vivência.  
          Eu busco a rosa pelos encantos de sua beleza e perfume... porém elas trazem consigo os espinhos e com eles o risco de provocar ferimentos. Seria egoísmo querer da rosa somente o agradável. Seus espinhos são parte dela, sua natureza de suavidade, por vezes, podem se manifestar também como grosseria. É injusto fragmentar o outro em não considerar a sua contextura do todo que, em prática, é mel e fel.  Na linha tênue da subjetividade humana o outro é sempre contrários e contraditórios. Não é cabível uma relação que não aceite o outro como um todo daquilo que é e, justamente por coerência, exigir também ser aceito como você é. Fora isso a relação é a manipulação por mutilar ao outro até ele se encaixar na sua forma. Essa cultura de violência já não merece espaço na nossa existência. Não merece espaço exatamente por significar o aniquilar do existir de si ou do outro. Tem gente que, na tentativa de ser para o outro, deixa de existir... se torna morto em vida para ser a vida do outro... bonito em filmes e livros porém irreal na materialidade. A realidade nua e crua é verdadeira e desencanta os contos de fadas. Primeira conclusão: só há verdadeira relação saudável quando se pode ser o que se é em ambas as partes, e isso não é impedimento e sim ponto de partida para relacionar-se.  Se o outro é o que quero dele não existe relação e sim autorelacionamento.
          Como coexistir com os espinhos? Talvez a intenção não é habituar-se com os espinhos e sim com o outro. Porém, dado que o perfume o a beleza são indissociáveis dos espinhos, o conviver com os espinhos não é escolha e sim necessidade em um relacionamento. Qualidades que atraem e qualidades que te repelem na pessoa coexistem ontologicamente. Aos poucos você vai conhecendo sua rosa... Vai sabendo como tocá-la... e as vezes sabendo até qual parte dela deverá evitar para que possa apreciar o seu perfume e a sua beleza. Para apreciar o que lhe causam admirações é preciso sabedoria de compreensão com restante... Com a construção de paciência e respeito você vai deixando-se conhecer também na mesma forma que conhece o outro. A rosa sinaliza quem ela é e você sinaliza quem você é... geralmente esse processo de aprender sobre a rosa se dá na atenção cuidadosa do silêncio. As palavras não são as vias mais seguras quando se reconhece pela conexão do olhar! Com o tempo vai percebendo quais são as palavras, gestos e atitudes que valorizam o outro e consequentemente começa a despertar encantos e se encantar por aquilo de mais essencial que se possa valorizar nessa afinidade de oferta de si e de  fazer a recepção do outro com autenticidade, honestidade...
          A moça me compartilhou que quando era pequena colhia as rosas na roseira da sua casa. Relatou que a primeira coisa que fazia era sempre arrancar os espinhos e encaixar uns nos outros. Encaixar um espinho no outro era um mecanismo para evitar que as pontas pudessem lhe ferir. Conversando mais sobre suas relações eu percebia que assim também era como ela fazia nas inclusões sociais: mutilava as pessoas tentando extrair os seus defeitos como uma forma de se defender. Era frustrante o fracasso de se ter uma rosa mutilada. Certa vez encontrei no jardim da minha avó uma roseira que não tinha espinhos, achei fantástico a ideia. Apesar das rosas serem demasiadamente admiráveis pela beleza eram incompletas pois lhes faltavam o perfume. Não sei se existe esclarecimento biológico mas na roseira sem espinhos da minha avó as rosas não possuíam perfumes. O encanto das pessoas também se aloja no seu contexto de ser, em um o todo, aquilo que naturalmente são: perfumes, belezas e espinhos.  
Existem espinhos insuportáveis, estou ciente disso, e estes são os que precisam de podas sem orgulho para tornar possível a aproximação... Penso que as pontas que merecem podas são justamente aquelas que não respeitam o todo que o outro é. Podar ou outro é questão de consentimento. Esse limite entre se negar ao se adaptar somente será reconhecido na particularidade de cada relação, mas eu arisco em dar uma chave: não perder de vista suas essências e deixar que naturalmente isso aconteça na leveza do processo de conhecer e dar-se por conhecido.
          Quando é hora de deixar a rosa? Percebemos que fundar as relações no romantismo idealizador de “felizes para sempre” já oprimiu historicamente inúmeras pessoas. São histórias de homens e mulheres que na tentativa de eternizar as relações fizeram golpes sobre si e sobre os outros, ou seja, se violentarem na tentativa de se encaixarem dentro do padronizado amor da literatura. Eu procuro entender a relação sem pessimismo categórico de afirmar e definir todos os relacionamentos com prazo de validade, ou acreditar que a monogamia é sempre uma tentativa falida e/ou uma farsa. Porém, é necessária considerar o inevitável fim, mesmo na vivência e tentativa de eternizar a companhia que fazem bem um ao outro. Isso parece mais honesto e saudável. 
          Acredito que no crescimento e manutenção da rosa é preciso o cultivo. Como toda relação que se deseja manter. Cuidado para cultivar, inovar e manter. Mas, quando sua percepção sobre a rosa for mais negativa que positiva, quando já não resta outra alternativa que não seja a de afastar-se... Não é bonito e nem aceitável as relações que se mantem para corresponderem expectativas externas. Isso faz do outro um espinho insuportável. Manter relação por status sociais, tradição, idealismo, costumes e qualquer modelo externo, é torturante e já não cabe na sociedade do século XXI. Eu aprecio a rosa, suportando os seus espinhos, até o ponto em que seus encantos sejam superiores aos ferimentos que ela causa... Isso significa que não haverá ferimento e muito menos que deverá encontrar prazer no desgosto. Não é possível manter a ideia que amor é sofrimento martirizante. Amor é construção de caminhos com o outro em sufrágio de si.
          É natural e preciso que as relações sejam (re)avaliadas no decorrer da sua construção. É preciso pensar onde e como o outro me faz um ser humano melhor. Se a companhia do outro faz a vida melhor e mais feliz... a constância de libriar perfume, beleza e espinhos faz com que você renove diariamente sua escolha por estar com a rosa ou por colocar fim ao pacto que os une. Por mais que essa visão racional das relações possa indicar o trato do outro como descartável não é a intensão. O que a reflexão encerra é que, para que seja saudável, a relação precisa do individual garantido, ou seja, ter a identidade valorizada de ambos os lados e que o relacionar com outro não é negar-se e nem negá-lo, mas ser/fazer como somatória. Somar-se no outro não como complemento ou necessidade.
Vejo inúmeras relações, desde os seus inícios nas adolescências, se formularem em gaiolas e violências por manipular o outro para agradar a si mesmo. Essa vontade doentia, considerada como paixão, causa prazer na ilusão de que você é do outro e o outro é seu... e no fundo o que resta é a frustação terrível de alienar ou deixar que o outro te sequestre... transformando a expectativa do conto de fadas em um enredo de terror e desumanidade.
O que é humanamente compreensível nas relações é a valorização de si mesmo e do outro. O que precisamos é de vivências saudáveis de contribuir com a história do outro e deixar que ele participe da nossa. Não vejo outra forma de relacionamento saudável se não evitar o amargo de manipulações por ilusões idealistas sobre amar e ser amado, fantasia essa que se funda no mito do amor romântico e eterno. Necessitamos, para estabelecer relações saudáveis, de considerar o outro como um todo que é, amá-lo com suas virtudes e vícios... Enxergar a pessoa e não o que nela reforça minhas carências e vontades de ter uma personagem que combine com as criações da minha vaidade. Amar a rosa na sua completude de perfume, beleza e espinhos é dignamente uma postura de gente resolvida e saudável. Sem competições, manipulações e jogatinas pois a relação não é campo de guerra e a única estratégia aceitável é por ser quem se é em respeito e contribuição para que o outro seja quem ele é.

27 de maio de 2016

Ítalo Alessandro Lemes Silva
Fonte da imagem: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com 

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