O amor: os opostos se atraem e/ou distraem? Reflexões das teorias aos afetos

O amor, essa força intrínseca que permeia nossa existência, desencadeia um intricado processo psicológico que vai muito além das simples trocas afetivas. Segundo Lacan, a busca incessante por completude, assinada em nós pela linguagem culturalizada, está enraizada na falta estrutural do sujeito, na ausência do objeto primordial que dá origem ao desejo. Assim, o amor se torna uma inquietude contínua de busca por algo que sempre parece escapar, uma tentativa de preencher o vazio que nos habita.

A busca pela redenção no amor muitas vezes nos leva a idealizações românticas que distorcem nossa percepção da realidade afetiva e efetiva (in)validações no lugar de amável. A influência das representações culturais, bastante amplificadas pelas religiões e literaturas, reforça essas idealizações violentas, retratando o amor, na maioria das vezes, de forma dramática e irreal. Como consequência, não é de estranhar tal causalidade, nossas expectativas geralmente são moldadas por ideais inatingíveis, levando à frustração quando confrontadas com a complexidade e a imperfeição das relações humanas.

A psicanálise de Winnicott nos lembra sobre alguma importância de considerar o ambiente facilitador como um protótipo no desenvolvimento daquilo que estabelecemos para nos dizer ou não uma pessoa amada. Ele destaca o papel fundamental do amor como o primeiro ambiente de cuidados, e nisto, essencial para a formação da identidade e do self (eu). A qualidade desse ambiente afetivo inicial, e portanto inaugural, influencia diretamente também na capacidade em estabelecer relações afetivas saudáveis ao longo da vida.

A busca pela completude no amor, ilustrada nas mitologias e religiões, muitas vezes está intrinsecamente ligada à necessidade de aceitação e reconhecimento para se integrar aos grupos sociais. Acreditamos que seremos completos apenas quando encontrarmos a tal da metade como "amor verdadeiro", quando em análise mais refinada, essa busca reflete uma demanda por autoaceitação e integração das diferentes partes na criação do eu.

No entanto, a experiência de ser amado e de amar pode ser, além de sobrevivência infantil, profundamente transformadora nas outras fases. Já que o amor nos permite acessar aspectos mais profundos de nossa psique, ajudando-nos a compreender melhor a nós mesmos e nossas necessidades emocionais. Ele é o que proporciona um senso de pertencimento e segurança, essenciais para o desenvolvimento saudável da identidade.

Portanto, observando assim, o amor é muito mais do que um simples sentimento; é um processo complexo de inauguração, transformação e crescimento pessoal. Como tanto, ele nos desafia a confrontar nossas próprias limitações e vulnerabilidades, enquanto nos proporciona a oportunidade de nos tornarmos seres mais repletos dos elementos simbólicos para a sustentar uma performance de felicidade.

No padecer do cotidiano só o amor nos sutura... “Em última análise, precisamos amar para não adoecer. ” diz Sigmund Freud. 

E quando nos jogamos amado e amante achamos que o amor é a vaidade que encerra qualquer outra necessidade vaidosa.

No caminho da vida, descobrimos que o amor e o ato de amar são mais do que simples sentimentos ou invenções culturais; são processos complexos de transformação e aprendizado. A capacidade de transformar o que vivemos em experiência é fundamental nesse processo existir amando. A memória seleciona momentos e os transforma em lições, ensinamentos, saudades... É por meio do "objeto amado" (como Freud costumou colocar) que conseguimos dar sentido ao que vivemos, transformando o banal em experiência significativa.

A busca pela redenção no amor pode ser entendida como a busca por uma completa satisfação afetiva, uma tentativa de encontrar nos outros aquilo que nos falta. Essa busca muitas vezes tem origem na nossa necessidade reviver os cuidados vitais, assim, se distrair nos embaraços ilusórios da tentativa inalcançável de preencher um vazio emocional deixado por experiências precoces de falta ou carência. 

No entanto, tenho acreditado que, mais do que pensar sobre o que é o amor teoricamente, o melhor é vivenciá-lo de tal forma que posso fazer o outro sentir-se amado. Acho que podemos simplificar o amor na troca de afetos e cuidados mútuos, onde a reciprocidade é fundamental. O importante é que o amor seja vivenciado de forma autêntica e genuína, proporcionando bem-estar e crescimento emocional para ambas as pessoas envolvidas.

Já mudei, e provável que continuarei mudando, minhas visões sobre o amor e o amar. Hoje vejo que quando o amor é vivenciado de forma honesta, ele se torna um processo de validação pessoal, onde ambos os envolvidos se sentem amados na identificação projetiva. Me vejo no outro e isso me agrada, me alegra, me reafirma e, logo, não me incomoda. 

Nesse rumo de análise, o amor não é visto como uma busca por completude ou redenção, mas sim como um meio de experiência com a própria identidade pela identificação: "te vejo e, felizmente, me reconheço em você". A referência ao narcisismo também é relevante nessa análise, e de maneira alguma é uma traição ao amor e ao amar. Talvez o narcisismo pode ser compreendido como uma contradição para aquele sentido antigo de amor que, absurdamente, o coloca como uma experiência de negação de sim. Mas não aqui em que vejo e vivo, psicanaliticamente, o amor como experimento da negociação e (re)criação de si. 

O amor autêntico não vem para trair o narcisismo, mas sim para qualificar seu significado. Em vez de buscar no outro uma validação externa impossível, o amor honesto nos permite encontrar em nós mesmos a validação e o fortalecimento emocional de que precisamos, e compartilhar, mesmo que parcialmente, essa graça com o outro de forma não compulsória. Assim, o amor não nos sequestra, como uma busca desesperada por completude, mas nos atrai para um espaço de autenticidade e crescimento mútuo. A citação popular "os opostos se distraem" pode ser complementada com "os parecidos se atraem e se fortalecem", também ressalta a importância da autenticidade no amor.

Agora tenho visto na clínica e nas minhas próprias experiências que quando nos relacionamos com alguém que compartilha valores e objetivos semelhantes, a conexão emocional e afetiva tende a ser muito mais profunda e enriquecedora. Nesse sentido, o que procuramos tanto chamar de amor autêntico, talvez, não é uma busca por alguém para nos confrontar ou nos completar, mas sim para validar e fortalecer nossa própria identidade criada com as diversas identificações, elaborando com isto o amar como possibilidades não possíveis de classificações e definições prontas e finalizante. O amor para completar encerra, o amor para se encontrar abre ao fluxo de poder ser o que ainda nem sabemos o que pode vir a ser, mas desejamos que seja bom e memorável. 


Continuamos pensando, mesmo depois de ter pensado: Até que ponto a busca pelo amor como redenção reflete uma idealização romântica e irrealista das relações afetivas? Como a influência das representações culturais sobre o amor pode impactar nossas expectativas e experiências amorosas? Será que a busca por completude no amor não estaria relacionada, na verdade, a uma busca por aceitação e reconhecimento pessoal? Em que medida a experiência de ser amado e amar pode ser transformadora na construção da identidade e no desenvolvimento emocional?
 

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