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Miguel na feira do bairro | crônica

Acordei cedo, como se o sol fosse um chamado, uma luz que se infiltra nos sonhos e os dissolve. E assim, fui à feira do meu bairro, um espetáculo de cores e aromas que se entrelaçam nas ruas, como se a vida estivesse dançando em um ritmo próprio. O cheiro de frutas maduras e especiarias exóticas me envolvia, um abraço caloroso de uma velha amiga que não se vê há tempos. Mas havia um contraste, uma tensão, entre a pressa que me cercava e a calma que eu ansiava.  

Na feira, sob um toldo que já conhecia, encontrei Dona Cláudia. Seu sorriso iluminou o dia, como um raio de sol que atravessa nuvens pesadas. "Miguel, querido! Olha que alface linda eu trouxe hoje!", ela exclamou, enquanto me oferecia as folhas frescas, quase como se me oferecesse um pedaço de sua alma. Senti um calor no coração, uma conexão que ia além da simples troca de dinheiro. Ali, o valor do seu trabalho se entrelaçava com o valor dos afetos, e eu me via refletindo sobre o que realmente significa "valorizar".

Mas, ao olhar ao redor, perdi-me em pensamentos sobre a pressa das pessoas. Elas corriam de barraca em barraca, como se a vida fosse uma corrida sem fim, em busca de ofertas que, no fundo, não significavam nada. Esse frenesi desumanizava a experiência. O ato de comprar e vender, que deveria ser um momento de partilha, tornava-se uma transação fria, onde a ansiedade e a rapidez eram as regras do jogo. "O que é precipitado?", perguntei a mim mesma. "É o que nos rouba o prazer do simples, do encontro, do afeto."

E então, a ironia se revelou: valorizar o que vem de longe, como uma laranja que atravessou oceanos para chegar até mim, enquanto um tomate, cultivado na própria terra, parecia ter menos valor. Essa lógica do capitalismo, que prioriza o importável e o precipitado, me fez refletir sobre a essência das relações humanas. O que é verdadeiramente valioso? O que nos dá sentido?

Decidi não me precipitar. Em vez de me deixar levar pela maré, optei por observar, sentir, apreciar cada item e cada rosto na feira. Despedi-me da correria e permiti-me trocar palavras sinceras com cada feirante. Um "bom dia" aqui, um "como você está?" ali, semeando afeto em um solo fértil.

Quando finalmente me decidi pelos legumes, escolhi com cuidado, não apenas pelo preço ou pela aparência, mas pela história que cada um carregava. Levei para casa não só produtos, mas um pedaço de comunidade, relações que floresciam entre as barracas. O valor do trabalho se refletia em cada conversa, em cada risada compartilhada, enquanto o precipitado se dissolvia em pequenos atos de conexão.

Assim, ao final da feira, com a sacola cheia e o coração aquecido, percebi que o valor das coisas não reside apenas em sua utilidade ou preço, mas na capacidade de nutrir não só o corpo, mas também a alma. "Na verdadeira essência do nosso trabalho e dos nossos afetos", pensei, "é onde encontramos o sentido do que realmente importa." A feira se tornava um microcosmo da vida, onde o precipitado e o favorável se entrelaçavam. E, no fundo, o afeto sempre seria o verdadeiro vencedor.

Neste espaço, aprendi que o ato de "precificar" algo vai além de atribuir um valor numérico. É um lembrete de que o que realmente importa é o que não se pode calcular: as relações que construímos, os momentos que compartilhamos, a essência humana que permeia nossas interações. Um convite para que nos detenhamos, respiremos fundo, e apreciemos o que realmente vale a pena.


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