Na contemporaneidade, nos deparamos com uma contradição fundamental: a busca incessante por um absoluto eterno e imutável que se opõe à vulnerabilidade e elasticidade ontológica do ser. Nietzsche, em sua crítica à moralidade tradicional, já vislumbrava a fragilidade desse ideal opressor, acreditando que a vontade de poder poderia, eventualmente, libertar o indivíduo das amarras de um ideal que se mostrava cada vez mais incoerente. Contudo, ao olharmos para o presente, percebemos que até mesmo a morte, uma das certezas da existência, parece ter perdido seu sentido lógico, transformando-se em um evento que evitamos a todo custo. Essa negação da morte, como Freud nos alerta, é uma defesa psíquica que nos impede de vivenciar a vida em sua plenitude.
Freud, ao explorar a psique humana, nos alertou sobre a repressão dos desejos e a negação da morte. Em sua obra, ele argumenta que a civilização exige de nós uma eterna busca por significados que, muitas vezes, nos afastam dos pequenos prazeres da vida. Essa necessidade de eternizar momentos fugazes nos leva a uma existência superficial, onde a sensibilidade se esvai, e o fluxo natural da vida é reprimido pelo medo da responsabilidade que a criação de novos começos exige. A busca por um ideal de felicidade inatingível nos aprisiona em um ciclo de insatisfação, onde a realização pessoal é constantemente adiada em nome de um futuro idealizado.
Lacan, por sua vez, nos convida a refletir sobre a relação entre o desejo e a falta. O fim, embora evidente, é frequentemente romantizado em um drama que nos impede de aceitar sua inevitabilidade. Se o fim é uma certeza, por que não nos prepararmos para ele? O que podemos inaugurar a partir dessa aceitação? A repetição de padrões neuróticos, que preferem a segurança do conhecido à incerteza do novo, revela um medo profundo do que o fim pode anunciar: a inovação. Essa inovação, muitas vezes, é vista como uma ameaça, pois implica em um processo de transformação que exige coragem e disposição para enfrentar o desconhecido.
Sartre, com sua filosofia existencialista, nos instiga a assumir a responsabilidade por nossas escolhas. A angústia que sentimos diante do fim pode ser transformada em uma oportunidade de reeducar nosso olhar sobre a vida. O luto, longe de ser um mero sofrimento, pode ser visto como um espaço de invenção e renovação. Ao aceitarmos a transitoriedade das coisas, encontramos calor nas expectativas que surgem com cada novo começo. Essa aceitação não é um convite à resignação, mas sim um chamado à ação, onde somos desafiados a criar significado em meio à incerteza.
Além disso, a reflexão sobre o fim nos leva a considerar a importância da vulnerabilidade como uma força, e não uma fraqueza. Ao nos permitirmos sentir e expressar nossas emoções, abrimos espaço para a autenticidade e a conexão com os outros. A vulnerabilidade nos ensina que a vida é feita de altos e baixos, e que cada experiência, seja ela dolorosa ou prazerosa, contribui para a nossa formação como indivíduos. Nesse sentido, o fim não é apenas um término, mas uma oportunidade de crescimento e aprendizado.
Assim, o crepúsculo dos dias, com seu sol que se despede, nos ensina que mesmo os fins podem ser encantadores. A aceitação do luto nos permite sair do caminho que, muitas vezes, é uma invenção desleal, e nos abre para o imprevisível. Em vez de desespero, podemos cultivar a esperança, reconhecendo que cada fim é, na verdade, um convite à reinvenção. A vida, em sua essência, é um ciclo de começos e fins, e cabe a nós decidir como narrar essa história. Ao reeducarmos nosso olhar sobre o fim, podemos descobrir que, na fragilidade da existência, reside uma beleza profunda e uma oportunidade constante de renovação.
_Ítalo Silva, 27/04/2021_
Comentários
Postar um comentário