A busca por relações interpessoais, especialmente na contemporaneidade, merece uma análise que vai além das relações superficiais e que adentra nas profundezas do ser humano. Partindo da indagação inicial — “Você deseja, efetivamente, estabelecer uma relação?” — é crucial explorar as nuances desse desejo, as motivações por trás dele e as implicações que ele gera. Esta busca pode, de fato, ser hipnoticamente fascinante, mas também reveladora de uma angústia existencial profunda, que se revela em nosso cotidiano.
Quando Nietzsche questiona alguma coisa sobre se a vontade é genuína ou mero desejo de distração, ele nos coloca frente a um paradoxo: a relação com o Outro pode ser simultaneamente aquilo que buscamos para nos completar e a distração que nos impede de enfrentar nossas próprias sombras. Em “Assim Falou Zaratustra”, ele sugere que “a verdadeira grandeza reside na capacidade do indivíduo de se suportar em sua solidão” (NIETZSCHE, 2001). Este elogio e convite à solidão reflete a ideia de que o sujeito deve, na melhor das maturidades, primeiro compreender e aceitar sua própria condição antes de buscar uma confluência com outrem. Condições essas que sempre se darão na falta de completude. Então não faz muito sentido buscar completude no outro se não encontraremos ela nem em nós. Aqui a questão da aceitação é meio pra início de análise.
A psicanálise, na obra de Freud, reforça a concepção de que a relação amorosa, fazer laço com outro ego, não deve ser vista apenas como um espaço de compartilhamento, mas como um campo onde os medos, as angústias e as frustrações do inconsciente se manifestam. A famosa ideia de que é por meio das vulnerabilidades que nos aproximamos e compomos laços sociais. Freud notou que as relações podem ser uma via de defesa contra a solidão, afirmando que “o amor é uma forma de defesa contra o assombro da vida” (FREUD, 1996). Assim, o fenômeno da busca por alguém ou de alguém pode ser visto como uma expressão de uma necessidade de conexão que, muitas vezes, oculta uma insegurança básica sobre a própria existência.
Outro fenômeno social relevante a ser considerado é o chamado “Complexo de Édipo”, que Freud descreveu como a dinâmica familiar que pode influenciar a escolha de parceiros ao longo da vida. É quase que uma maldição das mentes ocidentalizadas em que estamos fadados, pelo sim ou pelo não, temos uma questão com isso. Essa busca por uma relação pode, inconscientemente, estar ligada à tentativa de resolver conflitos não solucionados da infância, onde a figura parental pode ser idealizada ou rechaçada. Esta dinâmica está profundamente enraizada na forma como as relações modernas se constroem; frequentemente refletindo os padrões que foram estabelecidos no passado. De acordo com Lacan, “o desejo do Outro é a estrutura do desejo humano” (LACAN, 1998), o que revela como nossas escolhas românticas estão intrinsecamente ligadas às experiências infantis de identificação.
Estas repetições se manifestam nas histórias de amor contemporâneas, onde, muitas vezes, as parceiras são escolhidas não apenas pela atração física ou emocional, mas pela "repetição" de características dos pais, refletindo uma busca inconsciente de reconciliação com a infância. A perpetuação de padrões torna-se evidente quando se examinam os relacionamentos que se formam em resposta a comportamentos similares. Mas essa repetição que clama pela resolução da infância não se encerra em uma lógica de querer a experiência do prazer infantil, ela pode ser uma procura inconsciente por fazer funcionar agora um padrão que não deu certo. Ou seja, boa ou não a infância é o parâmetro. As escolhas são, portanto, permeadas pela dúvida e pelo desejo de cura das feridas passadas, levando muitas pessoas a procurarem parceria que, na verdade, são espelhos de suas próprias carências.
Conforme desenvolvem suas análises, tanto o filósofo quanto o psicanalista destacam a necessidade de integrar a responsabilidade pessoal à busca por relações. Ao se afastar da ideia de que o parceiro deve consertar a vida, emerge uma nova compreensão sobre a autonomia e a dignidade. Nietzsche provoca: “A liberdade é, antes de tudo, um estado de espírito; quem não é livre em suas representações não encontrará liberdade nas situações” (NIETZSCHE, 1998). A liberdade, portanto, está atrelada ao reconhecimento da própria responsabilidade e à capacidade de fomentar relações que emergem da verdadeira autonomia, em vez de se basear em uma dependência ilusória.
Este conceito pode ser reforçado pela leitura do trabalho de Erich Fromm, especialmente em A Arte de Amar, onde ele discorre sobre a diferença entre amar e depender. Fromm explica que “amar é um ato de coragem, envolvendo cuidado, responsabilidade e respeito” (FROMM, 2007). Ele sugere que a verdadeira relação amorosa não se baseia na dependência, mas na liberdade mútua, onde cada parte traz sua dignidade ao relacionamento. Em síntese, a relação se torna um campo de crescimento mútuo e aprendizado conjunto, ao invés de um caminho de fuga.
Dato isso, ao reexaminar a busca por relacionamentos à luz das análises de Nietzsche e dos princípios psicanalíticos, é possível perceber que essa busca não é nada simples e encontrar diversas raízes. A boa e a má notícia é a mesma: não tem receita. Compreender que muitas vezes procuramos no Outro não somente um companheiro, mas um espelho que reflete nossas próprias inseguranças, é um primeiro passo para uma transformação significativa. Rejeitar a figura do parceiro como salvador e, em vez disso, assumir a responsabilidade pela própria vida, é um convite à autenticidade e à verdadeira liberdade.
Compreender seus próprios desejos, suas intenções e se dispor a enfrentar os desafios que a vida apresenta podem abrir espaço para relações autênticas. Assim, a busca por um(a) parceiro(a) torna-se não uma fuga, mas um projeto criativo, onde o amor é não apenas uma resposta para a solidão, mas um genuíno diálogo entre dois indivíduos que se comprometem a crescer juntos.
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FROMM, Erich. A Arte de Amar. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007.
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Editora Companhia das Letras, 1998.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Editora Companhia das Letras, 2001.
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