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Psicanálise, educação e a construção da singularidade na diversidade - ensaio crítico

Considerações Iniciais:

A educação contemporânea enfrenta o desafio de se adaptar a contextos sociais em constante transformação, mediadas por avanços tecnológicos e novas concepções sobre a subjetividade. Nesse cenário, a psicanálise, especialmente a proposta por Jacques Lacan, fornece ferramentas para uma compreensão mais profunda das dinâmicas que permeiam o ambiente escolar. A experiência educacional deve ser, antes de qualquer coisa, um espaço que respeite e valorize a singularidade do sujeito; a partir dessa premissa, podemos discutir as práticas pedagógicas em razão da inclusão, da diversidade e da estética.


Neste breve ensaio, articula a crítica à educação tradicional à luz dos ensinamentos lacanianos, enfatizando a importância de se reconhecer o desejo e a falta como motores da aprendizagem. A presença de vozes de pensadores brasileiros, como Paulo Freire e Maria Helena C. C. de Almeida, será fundamental para embasar essa reflexão, que visa não apenas analisar, mas também provocar o leitor a repensar o papel da educação na formação de indivíduos críticos e autônomos.

A educação, vista sob uma perspectiva lacaniana, revela-se como um espaço de construção de sentido, onde a falta é constitutiva da subjetividade. Essa falta promove o desejo, que, por sua vez, orienta a busca pelo saber. Como Lacan nos ensina, o ser humano está sempre em um movimento de busca que o distancia da satisfação plena, uma busca constantemente insaciável. Assim, questiono: se o aprendizado é, de fato, uma jornada em direção ao desconhecido, como podemos criar ambientes educacionais que abraçam essa incerteza sem eliminar a singularidade de cada estudante?

Freire (2010) destaca a necessidade de um currículo que dialogue com a realidade dos alunos e promova um aprendizado significativo. Isso deve acontecer em um ambiente onde cada voz é ouvida e respeitada, contrastando com as práticas pedagógicas que ainda insistem em um modelo de ensino bancário, no qual o aluno é apenas um receptáculo de informações. Nas palavras de Freire (1999): “A educação não muda o mundo. A educação muda pessoas. Pessoas mudam o mundo.” Essa afirmação é central para a construção de uma lógica educacional inclusiva e efetiva.

Portanto, as práticas pedagógicas precisam se respaldar na escuta ativa e no reconhecimento da diversidade, criando uma pedagogia que realize a inclusão não apenas como um ato de justiça social, mas como um imperativo ético. A metáfora da sala de aula como espaço de criação — onde se pode experimentar e reinterpretar saberes — ganha relevância nesse contexto, pois possibilita a construção de uma identidade coletiva crítica e reflexiva.

A proposta de metodologias ativas, que colocam o estudante no centro do processo de aprendizagem, transforma a dinâmica tradicional da sala de aula. Santos (2015) defende que essas metodologias, ao promoverem uma participação efetiva dos alunos, vão além do simples recebimento de informações, permitindo uma vivência mais rica e significativa do conhecimento.

Dessa forma, como podemos garantir que essas metodologias não sejam apenas adornos retóricos, mas sim práticas efetivas que promovam a real inclusão dos estudantes? A resposta se encontra na capacidade do educador de se resolver não apenas como um transmissor de conhecimento, mas como um mediador de experiências. O professor deve, portanto, criar um ambiente onde as interações sejam valorizadas e os alunos sintam-se confortáveis para compartilhar suas histórias e repertórios, refletindo sobre suas realidades e desafios.

Além disso, a utilização de tecnologias digitais e novas mídias deve ser vista como uma extensão da prática pedagógica, não como um fim em si mesmas. O uso de recursos interativos pode facilitar a inclusão, tornando o aprendizado mais atraente e adequado às necessidades individuais dos alunos. Isso nos leva a pensar criticamente: estamos realmente utilizando as tecnologias de forma integrada e significativa?

A inclusão e a diversidade não devem ser tratadas como tópicos supérfluos em um discurso pedagógico, mas como fundamentos para qualquer prática educacional. Silva e Busarello (2017) ressaltam que a educação inclusiva se trata de um compromisso ético com a valorização da diferença, onde cada estudante é reconhecido em sua singularidade. Isso demanda que os educadores desenvolvam uma pedagogia que acolha as diversas formas de aprender e que respeite os diferentes ritmos e estilos de aprendizado.

Neste sentido, propomos que a literatura e as artes se tornem elementos centrais na formação de um ambiente educativo inclusivo. Através da narração de histórias, da análise de obras literárias e da criação artística, os estudantes podem explorar suas emoções, questionar suas realidades e, fundamentalmente, se reconhecer no outro. A arte é uma forma de expressão que promove a empatia e o reconhecimento da alteridade, fundamentais para um ambiente escolar saudável e inclusivo.

O que significa, portanto, incluir de fato? Incluir é proporcionar a todos os estudantes, independentemente de suas limitações ou capacidades, a oportunidade de se expressar plenamente dentro da sala de aula, participando ativamente do processo de ensino-aprendizagem. Essa inclusão deve estar pautada no respeito à individualidade, promovendo um espaço onde o erro não é visto como falha, mas como parte integral do aprendizado.

Em um mundo saturado de informações, a construção de referências literárias e culturais que estejam próximas a cada estudante é essencial para que ele se veja representado e, assim, se sinta parte da narrativa coletiva. O desafio, portanto, é criar um currículo que não apenas informe, mas que forme cidadãos críticos, capazes de participar ativamente da sociedade.

O papel do educador é inevitavelmente transformador, o que implica confrontos internos e externos que desafiam a prática pedagógica convencional. A formação docente deve, portanto, contemplar aspectos psicanalíticos que considerem o impacto emocional e psíquico da relação entre educadores e educandos. Mauco (1979) enfatiza que a relação entre professor e aluno não deve ser uma via de mão única, mas sim um espaço de troca e construção mútua.

Como os educadores podem garantir que suas práticas sejam tanto éticas quanto inclusivas? A resposta pode estar na promoção de uma cultura de escuta ativa, onde educadores recebem e respeitam as contribuições dos alunos, criando um ambiente em que se possam abordar não só o conteúdo curricular, mas também as vivências e desafios enfrentados por cada um. Isso demanda uma formação contínua e autocrítica, onde o educador se torna um reflexo da vulnerabilidade e imperfeição do ser humano, ao invés de ser visto como uma autoridade absoluta.

Estabelecendo-se como mediadores, os educadores têm a incumbência de levar seus alunos a questionar criticamente a realidade, utilizando ferramentas psicanalíticas que facilitem a exploração do inconsciente, dos desejos e dos medos que permeiam o processo de aprendizagem.


Considerações Temporárias:

A relação entre psicanálise, educação e inclusão é, sem dúvida, complexa e de várias camadas. A partir das reflexões apresentadas, espera-se que as metodologias ativas, permeadas por uma compreensão psicanalítica da subjetividade, impulsionem uma transformação no ambiente escolar, onde cada estudante possa se sentir visto, ouvido e valorizado em sua singularidade.

A escola não pode ser apenas um local de transmissão de conhecimento, mas deve se tornar um ambiente onde convergem diferentes vozes, experiências e saberes, fazendo com que a educação se concretize como um ato de amor e cuidado mútuo. Portanto, que estejamos dispostos — educadores, estudantes e sociedade — a trilhar esse caminho conjunto em busca de uma educação mais inclusiva, crítica e humanizadora.

Compreendemos que, diante das crescentes desigualdades e das múltiplas vozes existentes no contexto educacional brasileiro, a construção de um espaço inclusivo exige esforço coletivo, reflexão crítica e coragem para abraçar as diferenças. Ao enfatizar a singularidade do ser humano e seu potencial transformador, abrimos a possibilidade de uma educação que valoriza a diversidade como um recurso indispensável e transformador.


Referências:


ALMEIDA, Maria Helena C. C.; FREIRE, Paulo. Metodologia do Aprendizado. 2024.

SILVA, A.R.L.; BIEGING, P.; BUSARELLO, R.I. (orgs.). Metodologia Ativa na Educação. São Paulo: Editora Pimenta Cultural, 2017.

FREUD, Sigmund. Introdução à Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.


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