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Qual o papel da Psicanálise? Supor e suportar sua posição

A psicanálise, desde suas origens em meados do século XX, apresenta-se como uma prática terapêutica que não apenas busca aliviar os sintomas psíquicos, mas também proporciona um espaço de acolhimento onde o sujeito pode narrar suas experiências. Neste contexto, a escuta e a narrativa se tornam ferramentas essenciais para que o indivíduo possa explorar as raízes de seu sofrimento e, assim, redefinir suas posições subjetivas. Como aponta Lacan (1998), “a experiência analítica é a experiência da palavra”. Essa ênfase na linguagem revela a importância do discurso na construção da subjetividade e na possibilidade de transformação do sofrimento. 

O acolhimento oferecido pela psicanálise permite que o sujeito se sinta seguro para compartilhar sua história, suas angústias e suas perplexidades. Essa relação de confiança com o analista cria um espaço onde é possível falar livremente, sem o temor de julgamentos ou condenações. Segundo Freud (1913), “a cura acontece pela fala”, e essa fala deve ser livre, mesmo que atravessada por tabus e silêncios sociais. Neste sentido, a terapia psicanalítica age como uma tábua de 'salvação', um espaço de acolhimento onde a subjetividade é respeitada e cuidada.

Ao narrar sua própria história, o sujeito tem a oportunidade de revisitar suas memórias e experiências, ao mesmo tempo em que começa a traçar conexões entre elas e suas atuais formas de sofrimento. Muitas vezes, essas raízes estão ligadas a eventos traumáticos ou a relações interpessoais complexas que, à primeira vista, parecem desarticuladas. Lacan (1992) nos lembra que “o que não se elabora se repete”; assim, ao trazer à consciência conteúdos reprimidos, o sujeito pode re-significar sua dor. Essa reinterpretação é fundamental para suportar sua posição subjetiva, permitindo ao indivíduo não apenas compreender melhor seus comportamentos e pensamentos, mas também descobrir novas maneiras de lidar com sua angústia.

Além disso, a psicanálise ajuda o sujeito a desenvolver uma nova narrativa sobre si mesmo, favorecendo a possibilidade de se colocar em posições diferentes em relação ao seu sofrimento. A capacidade de narrar-se de forma diferente implica uma reestruturação do modo como se percebe e se relaciona com suas experiências passadas. Ao invés de se ver como uma vítima de circunstâncias externas, o sujeito começa a perceber-se como agente de sua própria história. Como afirma a filosofia de Sartre, e muitos na psicanálise também, “nós não somos apenas o que nos aconteceu, mas também o que fazemos com isso”.

Por fim, ao reconhecer suas origens de sofrimento e elaborar novas narrativas, o sujeito pode encontrar formas alternativas de lidar com a dor. Neste processo, o papel do analista se torna meio, pois não se trata apenas de ouvir, mas de oferecer uma visão que possibilite a transformação da dor em um conteúdo que pode ser elaborado e assimilado. A psicanálise, portanto, não deve ser vista como um mero alívio dos sintomas, mas como um caminho para alguma compreensão profunda e duradoura. Essa prática revela-se um verdadeiro convite à subjetividade, um espaço em que o ser pode se reencontrar com suas várias dimensões, e assim, reescrever sua própria história, buscando novas formas de viver suas angústias.

A psicanálise nos oferece, então, uma nova forma de olhar para nossos sofrimentos: Será que somos realmente vítimas de nossas circunstâncias, ou temos a capacidade de reescrever nossas histórias? Até que ponto a narração de nossas experiências pode nos libertar? E, afinal, o que significa suportar nossa posição subjetiva em um mundo tão complexo e cheio de desafios?

Referências

  • FREUD, Sigmund. Sobre a Psicanálise. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1913.
  • LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

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